A Revolta da Chibata foi um movimento de marinheiros da Marinha do Brasil, planejado por cerca de dois anos e que culminou com um motim que se estendeu de 22 até 27 de novembro de 1910 na baía de Guanabara, no Rio de Janeiro, à época a capital do país, sob a liderança do marinheiro João Cândido Felisberto.[1]
Na ocasião rebelaram-se cerca de 2400 marinheiros contra a aplicação de castigos físicos a eles impostos (as faltas graves eram punidas com 25 chibatadas), ameaçando bombardear a cidade. Durante o primeiro dia do motim foram mortos marinheiros infiéis ao movimento e cinco oficiais que se recusaram a sair de bordo, entre eles o comandante do Encouraçado Minas Geraes[1], João Batista das Neves. Duas semanas depois de os rebeldes terem se rendido e terem desarmado os navios, obtendo do governo um decreto de Anistia, eclodiu o que a Marinha denomina de "segunda revolta". Em combate, num arremedo de motim num dos navios que não aderiram à Revolta pelo fim da Chibata, morreram mais um oficial e um marinheiro. Esta "segunda revolta" desencadeou uma série de mortes de marinheiros indefesos, ilhados, detidos em navios e em masmorras, além da expulsão de dois mil marinheiros, atos amparados pelo estado de sítio que a "segunda revolta" fez o Congresso Brasileiro aprovar.[2
Foi originalmente marcada para dez dias depois da posse do Presidente eleito da República, Hermes da Fonseca, a ocorrer no dia 15 de Novembro de 1910. Entretanto, a punição aplicada ao marinheiro Marcelino Rodrigues Menezes do Encouraçado Minas Gerais, precipitou o início da revolta. Por ter trazido cachaça para bordo e, em seguida, ter ferido com uma navalha o cabo que o delatou, o marinheiro Menezes foi punido, não com as vinte e cinco chibatadas regulamentares, mas sim com duzentos e cinquenta, na presença da tropa formada, ao som de tambores, no dia 21 de Novembro. O exagero dessa punição, considerada desumana, provocou uma indignação da tripulação[3] muito superior à que já vinha sentindo durante a conspiração da revolta. Os comitês revolucionários decidiram que a tomada dos navios se daria na noite do dia 22. A ideia não era matar oficiais, mas rendê-los enquanto estivessem dormindo.[2]
Na baía de Guanabara, na noite de 22 de novembro de 1910, os marinheiros do Minas Gerais amotinaram-se ao constatarem que o comandante Batista das Neves havia retornado mais cedo do jantar oferecido a bordo do navio francês Duguay-Trouin, onde tinha combinado de passar toda a noite. Não queriam mais adiamentos. Quando ele foi para sua câmara dormir, um marinheiro mais afoito atacou o oficial de plantão, Álvaro Alberto, o que fez com que o comandante voltasse de sua câmara para o convés. Batista das Neves foi cercado pelos amotinados e intimado a deixar o navio.[3] O marinheiro Bulhões aconselhou-o a abrigar-se, mas ele terá respondido: "Eu não saio de bordo". Ao ferir um dos marinheiros, Batista das Neves foi atacado pelo restante do grupo, e outro marinheiro[quem?] disparou contra ele, atingindo-o fatalmente na cabeça. Na sequência, outros dois oficiais que acordaram e também foram para o convés, e por não quererem se retirar do navio, foram assassinados. Enquanto isso, o 2º tenente Álvaro Alberto da Mota e Silva o primeiro oficial gravemente ferido, com golpe de baioneta, conseguiu alcançar o Encouraçado São Paulo num escaler e notificou os demais oficiais. Mas este navio não estava ainda revoltado. Não havia sido dado o sinal combinado.[3]
Ao final do descontrole dos marinheiros, do motim no encouraçado Minas Gerais que atropelou os passos planejados da tomada pacífica dos navios, com as mortes de 3 oficiais e 4 marinheiros, foi feita uma assembleia no próprio navio para entregar a João Cândido Felisberto o comando geral da esquadra rebelde. Até então, o chefe das reuniões era Vitalino José Ferreira. João Cândido seria somente o comandante do Minas Gerais. Mas os marujos precisavam de um comandante-em-chefe, com bom trânsito entre os marinheiros e os oficiais, que tinha disciplina e poderia encaminhar os passos seguintes da revolta, como planejado.
Ao sinal de canhão que informava que o encouraçado Minas Gerais estava sob controle dos marinheiros, 6 (seis) navios de guerra aderiram ao levante: os encouraçados São Paulo (o segundo maior navio da Armada à época) e Deodoro, o cruzador Bahia, e mais quatro embarcações menores ancoradas na baía no decorrer da noite. No final, João Cândido preferiu reunir todos os marinheiros em apenas 4 embarcações: Minas Gerais, São Paulo, Bahia e Deodoro.
No Cruzador Bahia, um oficial e um marinheiro morreram. No São Paulo, mais um oficial, totalizando neste dia 5 marinheiros e 5 oficiais mortos em situação de combate, de enfrentamento armado. Este enfrentamento se repetiria momentaneamente no dia 9 de Dezembro (ver adiante), levando a 6 mortes de oficiais e 6 mortes de marinheiros, em motins dentro dos navios da Marinha de Guerra.
Na manhã seguinte, de (23 de novembro), sob a liderança do marinheiro de primeira classe João Cândido Felisberto e com redação de outro marinheiro, possivelmente Francisco Martins, foi então emitido um ultimato no qual ameaçavam abrir fogo sobre a então Capital Federal:
O governo respondeu inicialmente por meios telegráficos que não confabulava com revoltosos. João Cândido então ordenou tiros de canhão sobre o Palácio do Catete, sede do Poder Executivo, e sobre a Câmara dos Deputados que, à época, ficava na Rua da Misericórdia.
João Cândido, diante da atitude do governo de negar-se às negociações, comandou a esquadra, após dar os disparos para demonstrar que não estava blefando, para posicioná-la na barra, fora da baía da Guanabara, fora do alcance do fogo das fortalezas da barra, mas a uma distância suficiente para atacar e destruir a cidade, se fosse necessário.
Surpreendido e sem capacidade de resposta, o governo, o Congresso e a Marinha divergiam quanto à resposta, pois a subversão da hierarquia militar é um dos principais crimes nas Forças Armadas. A população da então Capital, num misto de medo e curiosidade, permaneceu em estado de alerta, parte dela refugiando-se longe da costa enquanto outros se dirigiram à orla para assistir ao bombardeamento ameaçado pelos marinheiros.
Nessa manhã do dia 23, o emissário do governo, o deputado federal e capitão-de-mar-e-guerra José Carlos de Carvalho esteve a bordo do encouraçado São Paulo, onde lhe foi determinado que se dirigisse ao Minas Gerais para falar com o líder da revolta, João Cândido, dando-se assim início às negociações entre o governo e os revoltosos.
José Carlos de Carvalho levou para o Congresso a impressão que teve da força dos marinheiros e um Manifesto com exigências, sendo a principal o fim da chibata. O Manifesto, que tinha sido escrito durante as reuniões preparatórias, citava todos os oficiais presos nos navios e relacionava todos os navios sob o controle dos marinheiros. Isso demonstra que os revoltosos acreditavam que poderiam fazer a revolta sem mortes, e que a adesão à revolta seria total, quando a realidade era diferente disso.
Os navios que não aderiram à revolta, na maioria contratorpedeiros, entraram em prontidão para torpedear os revoltosos. No dia 25 de Novembro, o então Ministro da Marinha, almirante Joaquim Marques Batista de Leão expediu a ordem: "hostilize com a máxima energia, metendo-os a pique sem medir sacrifícios." No mesmo dia, entretanto, o Congresso Nacional aprovou a anistia para os revoltosos. Há versões de que o encouraçado Deodoro chegou a receber tiros dos contratorpedeiros, que logo cessaram fogo e voltaram para a orla.
Quatro dias depois do motim, a 26, o governo do presidente Marechal Hermes da Fonseca declarou aceitar as reivindicações dos amotinados, abolindo os castigos físicos e anistiando os revoltosos que se entregassem. Estes, então, depuseram armas e entregaram as embarcações. Entretanto, dois dias mais tarde, a 28, foi feito um novo decreto, que permitia que fossem expulsos da Marinha aqueles elementos "inconvenientes à disciplina".